A Adolescência - experiências diferenciadas.
A Maria (nome fictício) nasceu em 1941, numa aldeia transmontana.
O Pedro (nome fictício) nasceu em 2002, na cidade de
Lisboa.
Independentemente da época, o factor geográfico é por
si só, uma diferenciação significativa a ter em conta, na construção
do ser humano a nível socioeconómico, cultural, político, religioso e de
condições de vida, encontrados nos diferentes contextos: rural e, citadino. Há,
no entanto muitos outros factores e, aspectos a ter em conta.
A Maria, irmã mais velha de três irmãos, assumia
responsabilidades, atribuídas pelos pais que em muito ultrapassavam, as ténues
leis de protecção à criança, geradas pela Sociedade das Nações em 1924, e que
mais não eram que cinco artigos sem qualquer carácter vinculativo.
Quanto à personalidade jurídica tanto a declaração de 1924 como a de 1959,
demonstram uma certa inconsistência jurídica, ao deixar os princípios jurídicos
à consciência de cada Estado membro.
Em defesa das crianças, criaram-se nessa época,
algumas organizações não-governamentais que conjuntamente com a OIT,
conseguiram aprovação em 1921, de indícios importantes de protecção à infância,
como a fixação de idade mínima para trabalho nas fábricas e, no trabalho
marítimo assim como, também sobre o trabalho fabril nocturno. A escolaridade
mínima obrigatória, estava estabelecida em quatro anos. A referência ao
trabalho infantil, era apenas explicita quanto ao trabalho fabril.
Para Maria, estes princípios básicos, foram
escamoteados e nem sempre cumpridos. O poder paternal era exercido com base na
obediência total (ideologia inculcada por tradição religiosa) e, a
correspondente penalização pela falta desta, com castigos que incluíam não só a
violência verbal como também física.
Entrou para a escola aos 7 anos, mas não largou o
trabalho do campo, a que estava habituada, por ser a filha mais velha (a irmã
que se lhe seguia era quatro anos mais nova), acompanhava os pais no trabalho
da terra. A mãe ficava em casa a cuidar do filho mais novo. Maria tanto cuidava
da mãe combalida, pelo parto, como cuidava da irmã mais nova, cuidava da casa,
ajudava o pai nas tarefas agrícolas e, por vezes às escondidas da família, ia à
escola, porque gostava muito de aprender e, conviver com os seus
pares. Mas foi descoberta e castigada. Não conseguiu concluir o terceiro ano.
Os pais cuidavam para que o abandono escolar, não ecoasse fora da terra; sabiam
da obrigatoriedade imposta pelo Estado, à frequência obrigatória. A professora,
visitou várias vezes a família, no sentido de liberar algum tempo da Maria,
para poder frequentar a escola, mas foi em vão. Acabou por desistir num acto
infeliz de desresponsabilização e, ao mesmo tempo de sensibilidade às
necessidades familiares.
Aos treze anos, Maria foi entregue a uma família
abastada da aldeia, que veio viver para a cidade; fosse outro o contexto,
poderíamos encontrar aqui, uma aprendizagem valorosa de novas experiências e
socialização, contudo em contrapartida, Maria teve de lhes prestar
serviços domésticos, por tempo indeterminado, ficando privada do ambiente
familiar e, dos seus amigos; devo salientar que os serviços de que estava
incumbida eram todas as tarefas caseiras necessárias ao bom funcionamento
doméstico, de uma família de 6 pessoas: lavar a roupa, passar a ferro, cozinhar
todas as refeições, limpar toda a casa com um soalho imenso para
raspar e envernizar, costurar as roupas dos “patrões”, fazer compras, etc.
Levantava-se às 6.30 da manhã, para tratar dos pequenos-almoços, só se deitava
quando todos já o tivessem feito. Não era remunerada. Por outro lado, não
trazia encargos aos pais! E destes, ela não sabia o que eram cuidados e afecto.
Comunicavam-se por carta. A sua primeira retribuição económica simbólica,
chegou aos 17 anos, pela exigência dos pais, e a quem era entregue por inteiro
(a pequena quantia em dinheiro), mensalmente.
Maria, nunca chegou a saber que na sua vida
existiu uma fase denominada por infância: não lhe deram esse direito. Esta “não
infância”, castrou-lhe a adolescência; obteve o estatuto de adulta, aos vinte e
um anos, a quando do matrimónio e, também a idade estabelecida institucionalmente,
para a maioridade.
Por isso pôde casar, apesar da oposição dos pais. A
Declaração de 1959, continuava sem carácter vinculativo e, omissa em muitos
aspectos se bem que com algumas diferenças significativas no esclarecimento,
dos direitos mais subjectivos. Contudo para Maria era já tarde demais!
É já sob a universalidade e, a natureza vinculativa da
Convenção dos Direitos da Criança de 1989, e da Carta Europeia dos Direitos da
Criança, que o Pedro nasce. Traz consigo uma identidade e personalidade
jurídica, vinculada e institucionalizada, que lhe atribuem direitos, cuja
salvaguarda competem à família e ao Estado e, direitos subjectivos que ele
mesmo pode exercer sobre si. O Pedro é uma criança informada, liberta de
qualquer tipo de pressão, frequentou a pré-escola e, frequenta o primeiro ano
da escolaridade obrigatória.
A infância é delimitada por vários aspectos e,
condições sócio históricas particulares, que nos impedem de poder comparar
alguns aspectos nas infâncias de Maria e Pedro, como o facto de
pertencerem a espaços geográficos distintos, assim como os factores socioeconómicos
envolvidos no contexto individual de cada um. Talvez o aspecto cultural seja o
mais legítimo de salientar nesta diferenciação: a expansão da instituição
escolar, foi a que de entre todos os factores, aquele que de facto atribuiu
maior visibilidade e valorização, aos Direitos da Criança, hoje consagrados. O
direito à educação, transporta consigo a importância dos valores a transmitir:
desenvolvimento de capacidades e, aprendizagens a dinamizar, promoção de
autonomia e, aquisição de saberes que dificilmente escapam à informatização
global, tecnológica e de acesso facilitado à grande maioria das famílias
e, das suas crianças.
O Pedro sabe que não tem idade para trabalhar, mas a
Maria desconhecia este facto, ocultado pela tradição canónica, do dever de
obediência total aos pais; os pais do Pedro se encontrarem dificuldades na
educação dos filhos, sabem que podem recorrer ao apoio do estado, delegado na
segurança social, institucionalizada num Estado democrático; o Pedro usufrui
dos três direitos básicos das crianças: Provisão, saúde, bem-estar,
segurança social; Protecção, contra abusos, maus tratos,
exploração, discriminação seja em que aspecto for materializado; Participação,
na construção do seu conhecimento e, da vida social dos contextos que frequenta
no seu quotidiano. Sente-se valorizado como pessoa. Sente que a sua opinião
conta. Sente que o pouco que ainda é capaz de fazer, dá uma significativa
contribuição, tanto no contexto familiar (como arrumar o seu quarto, por
exemplo), como no contexto escolar quando participa em actividades extracurriculares
ou, em contexto social quando brinca com os seus pares, numa dinâmica de socialização
que promove a cidadania, a construção da perspectiva do “outro” e, da sua
aceitação como um igual e, espírito cooperativo.
Uma das contradições actuais dos Direitos das Crianças
é visível, entre outros, neste facto:
A Maria construiu uma maturidade precocemente, que lhe
poderia ter garantido a sua própria subsistência, não fosse o facto da
exploração do seu trabalho infantil.
O Pedro, irá construindo progressivamente a sua educação,
a sua autonomia e, alcançar a sua maturidade, muito mais tarde, ficando
dependente economicamente dos pais, até ter acesso ao mercado de trabalho.
Maria Isabel Almeida, 2009 - Universidade Aberta
(Trabalho na disciplina de "A Criança na Sociedade Contemporânea").
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